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18 de Abril de 2024
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    Vergonha Histórica

    Ao contrário do que muitos afirmam, considero a adolescência como a mais bela etapa da existência. Ali começamos a perceber que fazemos parte de uma história, que somos fruto de uma civilização, que muitas coisas aconteceram, mesmo antes de termos sido paridos. Além da rebeldia característica e do fato de estarmos sofrendo mudanças em nosso organismo, passamos a nos compreender como parte de um todo, de uma dita evolução da espécie.

    Foi nesta fase, entre os 12 e os 18 anos de idade, que comecei a perceber que há males históricos que nos acompanham ao longo da vida. Superando qualquer generalização desqualificada e ingênua, quando estudei o que aconteceu entre os anos de 1939 e 1945, a chamada Segunda Guerra Mundial, senti vergonha de ser descendente de alemães. Logo após, ao estudar e ler sobre a escravidão ocorrida no Brasil, fiquei envergonhado em ter a cor dos senhores de engenho. Mais adiante, ao perceber que as mulheres só tiveram o direito de votar em 1932, no nosso Brasil varonil, enrubesci enquanto pertencente ao sexo masculino.

    Num tempo não muito distante, ao constatar tantos crimes contra a livre orientação sexual, indignei-me por pertencer ao time dos heterossexuais. Da mesma forma, vendo a dificuldade da acessibilidade e da integração das pessoas com deficiência, não me senti bem com rótulo de ser considerado uma pessoa “normal”, sem deficiência aparente. Muito mais porque já havia percebido que todos temos deficiência. Se és humano, tens deficiência...caso contrário, humano, humana não és.

    Não se trata de um problema de autoestima, ou de ironizar sobre nossa condição humana na história. Não escolhemos onde e como nascemos, mas podemos, na medida do nosso desenvolvimento físico, emocional e intelectual, nos posicionarmos diante das mazelas que, por vezes, caracterizaram a história da humanidade.

    Porém, de todos os limites, de todos os pecados que tenho que assumir pela responsabilidade histórica que pesa sobre meus ombros, o que mais me constrange e incomoda é ser adulto e saber que, ainda, muitos dos meus iguais abusam e exploram sexualmente crianças e adolescentes. Difícil acreditar numa racionalidade diante de tão inaceitável crime contra a inocência.

    Construir uma nova sociedade exige revisão de conceitos e de posturas diante do mundo e da humanidade. Exige superar a vergonha provinda das condutas discriminadoras em nível pessoal e institucional e, numa libertação de cegueira maniqueísta, entender que o ser humano é um misto de potencialidades e ações. Pode ser o maior construtor ou destruidor de si, da natureza e do outro. Construir uma nova sociedade implica trabalho constante de fazer-se e refazer-se, pensar e repensar-se para que as opções possam ser feitas em prol da coletividade.

    Assim, superamos a vergonha histórica e potencializamos nossa capacidade de existir e deixar existir em paz.

    * Deputado estadual e presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/vergonha-historica/100259317

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