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26 de Abril de 2024
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    30 de agosto: "Brasília agora já sabe a verdade sobre o Rio Grande"

    Aeroporto Salgado Filho: grupo de parlamentares em frente ao Caravelle da Varig Sexto dia, quarta-feira, 30 de agosto de 1961

    Ao reiniciar os trabalhos da sessão permanente iniciada na sexta-feira, o deputado Hélio Carlomagno, presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, comunica ao atento plenário que, naquela manhã, comissão de deputados havia viajado a Brasília para, “numa verdadeira comunhão do Legislativo gaúcho, sem cores partidárias”, debater junto ao Senado e Câmara dos Deputados “a preservação dos ideais democráticos e constitucionais do povo brasileiro”.

    Com a roupa do corpo

    O jovem advogado Gudbem Castanheira fazia parte da delegação de 16 deputados que havia embarcado no aeroporto Salgado Filho em um avião Caravelle da Varig rumo a Brasília. “Nós achávamos que aqui poderia haver a volta do Jango tranqüilamente e ele assumiria a Presidência da República em Porto Alegre”, lembra hoje Castanheira, que pertencia ao Partido Libertador (PL).

    “Não me lembro quem teve a ideia. Nós fomos para ficar menos de 24 horas em Brasília. Saímos daqui com a roupa do corpo e com diária adiantada de 24 horas para o nosso sustento na Capital Federal”, conta Castanheira. A Última Hora , jornal da época, atribuiu a Hélio Carlomagno a ideia de propor a transferência ao Congresso Nacional. “A viagem desta delegação parlamentar foi decidida pouco antes pela Assembleia, não dando tempo a alguns deputados sequer de levarem outra roupa que não a do corpo”, consta na edição de 31 de agosto da Folha da Tarde, publicação que também noticiou a aventura.

    Ameaça de prisão

    A excursão resolvida às pressas seguiu com imprevistos no trajeto. Os jornais relatam que, numa escala do voo feita em São Paulo, foi dado um aviso aos deputados para que retornassem a Porto Alegre. Se chegassem ao destino, lá seriam presos. “Os deputados eram corajosos, não se amedrontaram com o aviso de serem presos. E o avião seguiu viagem”, lembra Castanheira. A coragem citada pelo ex-parlamentar foi requerida logo no desembarque. A ameaça foi cumprida e o grupo, detido por militares da Força Aérea. “Eles estavam tentando evitar nosso contato com os congressistas. Eis que o país estava vivendo uma situação anômala, com ameaça de guerra interna”, recorda o ex-deputado do PL.

    Da prisão improvisada no aeroporto de Brasília durante algumas horas, a comissão de deputados gaúchos só saiu após a intervenção do presidente do Senado, o paulista Auro Moura Andrade (PDS), o mesmo que dias antes havia recebido a carta-renúncia de Jânio Quadros. “Ele se dirigiu até o aeroporto e manteve um diálogo com os militares que nos prenderam. Após esse diálogo, ficamos livres e pudemos percorrer, sem susto, as salas do Congresso Nacional”, afirma Castanheira.

    Situação do RS surpreende congressistas

    Segundo o ex-deputado, a ação da comitiva em Brasília durou até a madrugada. “Corria a notícia que Porto Alegre seria bombardeada, principalmente o Palácio Piratini. Esses boatos surpreendiam os congressistas federais. Eles sabiam que ocorria alguma coisa no Rio Grande do Sul, mas não sabiam a dimensão do risco. A impressão que nós tivemos é que, com a nossa presença, os congressistas em Brasília ficaram realmente a par do Movimento da Legalidade”, conta. Na manchete do dia seguinte, a Última Hora anunciaria: Brasília agora já sabe a verdade sobre o Rio Grande.

    O ex-deputado não lembra detalhes de como foi recebida a proposta da posse do presidente em Porto Alegre e da possibilidade de transferir o Congresso para o Rio Grande do Sul. Sabe-se apenas que ela não foi aceita, como comprova a história.

    A comitiva

    De acordo com a Folha da Tarde de 31 de agosto de 1961, dezesseis deputados integraram a comissão oficial do Legislativo: pelo PTB, Suely de Oliveira, Sereno Chaise, Seno Ludwig, Ney Ortiz Borges, Domingos Spolidoro, Siegfried Heuser e Jairo Brum; pelo PSD, Naio Lopes de Almeida, Euclides Kliemann e Moab Caldas; pelo PL, Paulo Brossard de Souza Pinto e Gudbem Castanheira; pelo PSP, Adaury Pinto Fillipi e Adalmiro Moura; pela UDN, Arthur Bachini, e pelo PDC, José Zachia.

    Enquanto isso, em Porto Alegre...

    Enquanto a comitiva viajante dava notícias dos acontecimentos que fervilhavam em solo gaúcho aos parlamentares de Brasília, em Porto Alegre a sessão permanente do Parlamento gaúcho era retomada já noite fechada. Eram 21h35 quando o deputado Hélio Carlomagno reabriu os trabalhos. Também pudera: aquela havia sido uma quarta-feira particularmente tensa. O Jornal do Brasil, por exemplo, circulou simbolicamente, em edição reduzida formada por material exclusivamente pago, sem notícias, depois da pressão sofrida. Foi uma forma de protestar contra a censura que se iniciara no dia anterior, quando várias matérias foram proibidas de serem publicadas.

    Naquele mesmo dia 30, diante da resistência dos partidos em votarem o impedimento de João Goulart (que assumiria a presidência em razão da renúncia de Jânio Quadros), os ministros militares, vice-almirante Sylvio Heck, ministro da Marinha; marechal Odilio Denys, ministro da Guerra; e o brigadeiro-do-ar, Gabriel Grum Moss, ministro da Aeronáutica, lançam manifesto à Nação , com o claro objetivo de intimidar o Congresso.

    Toda esta movimentação refletia-se no Parlamento rio-grandense. A Casa transformara-se no reduto das expectativas pela manutenção da estabilidade institucional. Por volta das 21h40, segundo os registros, “o sr. Onil Xavier, secretário convidado, faz a leitura de telegramas vindos de toda a parte do Estado, solidarizando-se com a Assembleia Legislativa, pela sua luta em defesa da Democracia e da Constituição”.

    Conforme a ata daquela sessão, o deputado Paulo Couto vai à tribuna e lê dois ofícios dirigidos ao “sr. governador Leonel Brizola, por moradores do município de São Leopoldo, demonstrando o firme propósito de defender por qualquer meio a Democracia”. Ainda segundo o documento, “o sr. Alcides Costa, 2º Secretário, assume a Presidência”.

    E segue: “Por cessão de tempo do sr. Athayde Pacheco é dada a palavra ao sr. Cândido Norberto, que aborda o aspecto da maturidade política do povo gaúcho, nas vivas demonstrações de luta e do seu propósito em defender a Constituição e a liberdade Democrática do País”.

    Pedindo a palavra, o “sr. Mariano Beck apresenta projeto de Lei concedendo o título de cidadão riograndense ao General Machado Lopes, Comandante do III Exército”. Em 28 de agosto de 1961, o general Machado Lopes, comandante do 3º Exército, sediado no Rio Grande do Sul, havia declarado apoio a Jango.

    Ideologias opostas, mas juntos pela legalidade


    O governador Leonel Brizola era casado com a irmã do vice-presidente da República, João Goulart. A posição ideológica e o temperamento de Brizola eram bem conhecidos nos meios políticos e militares.

    De outra parte, o comandante do 3º Exército, general José Machado Lopes, era exatamente o oposto de Brizola. Influenciado pela propaganda anticomunista levada a efeito nos quartéis desde a Intentona de 1935, manifestava-se radicalmente contra o extremismo das esquerdas mas, paralelamente, se colocava contra a direita radical. Durante toda a carreira, pautou sua vida no respeito à hierarquia, mas, também, e sobretudo, no respeito à legalidade.

    Machado Lopes estava à frente da maior guarnição militar do País. Se não tivesse apoiado Brizola teria que ter entrado em combate com a população. Ao enviar os carros de combate para dar proteção ao palácio Piratini, ameaçado de ser bombardeado por aviões da FAB, o general Machado Lopes passou a ser denominado pelas rádios gaúchas como o "general da Legalidade".

    Pois são estes dois homens Brizola e Machado Lopes, de pensamentos e atos opostos, que vão unir-se na defesa da legalidade, num esforço para que a Constituição seja respeitada. Ambos colocam em xeque suas posições, correm riscos, mas não transigem naquilo que consideram essencial: sendo o vice-presidente fruto da vontade popular manifestada nas urnas, somente um golpe de estado pode impedi-lo de assumir a Presidência para completar o mandato de Jânio Quadros.

    Força gaúcha 


    Ainda na mesma sessão do dia 30 de agosto, “o sr. Synval Guazelli pronuncia-se no sentido de que sejam apuradas as causas da renúncia do sr. Jânio Quadros, e caso seja comprovada a coação que deu motivo a tal, possa o mesmo, dentro dos princípios da legalidade constitucional, vir a ser reempossado no cargo para o qual foi eleito pelo povo brasileiro”.

    Da tribuna, “o sr. José Vecchio tece considerações sobre os verdadeiros propósitos do artigo 177, da Constituição federal, que determina normas que deverão ser cumpridas pelo Exército Brasileiro. Abordou também a necessidade de ser dado cumprimento ao artigo 79, da Constituição Federal, que determina que o vice-presidente eleito substitua ao Presidente, quando do impedimento deste”. Já o “sr. Antônio Bresolin diz estar empolgado com o movimento que o povo gaúcho vem fazendo em prol da legalidade democrática e constitucional do País”.

    Antes do encerramento da sessão, “em comunicação urgente, o sr. Mariano Beck dá conhecimento ao Plenário de que a Comissão de Deputados gaúchos que viajou a Brasília já se encontrava no Congresso em conferência com os deputados federais, tratando de uma solução para a crise política do País”.

    “Não havendo mais oradores inscritos, o sr Presidente declara suspensa a sessão permanente da Assembleia Legislativa”.

    Solução institucional


    A situação nacional indicava um confronto. De um lado as forças armadas, ainda que divididas, e de outro a opinião pública civil, que, na sua esmagadora maioria, desejava o respeito à ordem constitucional, isto é, que João Goulart, obedecendo ao artigo 79 da constituição de 1946, fosse empossado como o novo presidente do Brasil. A reação do Rio Grande do Sul havia reverberado por todo o País.

    A saída do impasse para evitar um desenlace armado seria propor a alteração da forma do regime político, do presidencialismo para o parlamentarismo. Nesse mesmo 30 de agosto, a partir de solução negociada entre Tancredo Neves, representando a classe política, e o general Orlando Geisel, chefe da casa militar de Jânio Quadros, o Congresso dá forma à emenda parlamentarista que seria o anticlímax da crise de agosto.

    Fontes consultadas

    Atas da sessão permanente da Assembleia Legislativa

    http://www.pitoresco.com.br/historia/republ310.htm

    Jornais Folha da Tarde e Última Hora de 31/08/61 - Acervo do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

    * Colaboração de Vanessa Canciam - MTB 2060

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/30-de-agosto-brasilia-agora-ja-sabe-a-verdade-sobre-o-rio-grande/2820464

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